Epifania






Longo peregrinar,
pés rotos,
carne viva,
sangue a confundir-se com a terra
em clarividente afinidade,
dor e medo:
o peregrino se descobre.

Do chão de batidas pedras,
emerge o olhar,
levanta os olhos,
entrevê,
contempla
- translúcida revelação.

No esforço,
aguça os sentidos,
sente-se humano
nu,
pulsante,
em constante expansão.

Rústico,
percebe-se fora de si,
sente-se,
único,
como o roçar do lápis no papel
a deslindar palavrações.

De súbito,
mergulha num poço infinito de abissal profundidade.
Fragmento, se vê como um todo.
Coletivo,
fragmenta-se
em pedaços
mil.

Filho da terra,
toma distância.
- angustiada paixão -,
penetra mais profundo na matéria
e seu espírito se movimenta.

Vê o passado,
sente o presente,
degusta o futuro.

Mergulhado no precipício,
descobre a alavanca do mundo
inacessível,
afobada
em infindáveis contradições.

Contempla o átomo,
a curvatura do universo,
o alucinante rodopio da modernidade
a escapar-lhe das mãos.

Cai.
Em meio à magnética atração,
na direção da mesma chuva que o encharca.
Olhos cerrados.
Infinitas reconstruções.

Eis, de repente, que emerge, do chão.
De volta ao presente, à história.
Pés rachados,
sangue escorrendo pelas sendas
- veias abertas-
se levanta,
se projeta,
se percebe
História, história, estória
encarnada em contradições.
Na absoluta escuridão de si
fez-se a luz.

Emergiu
de diáfanas fontes
à Sinfonia Universal
Reverberante...
 
Vendo, resiste,
porque vislumbra,
no cansaço do caminho
que é preciso saber ver,
para além dos torpes passos:

a profundidade cósmica
de inebriante comunhão,
o Universo inteiro
nas marcas da terra
fincadas no chão.


 E.S.C., dezembro/13

Comentários