A ratazana





Quando meus amigos dormem, um ratazana prenha sobe pelo ralo do banheiro em direção à dispensa, qual magnética marcha, em busca de alimento. Detêm-se diante do umbral da porta e, absorta em profunda náusea, decide pela entrega final.

Pata ante pata, caminha, por vezes corre, ligeira, a adivinhar obstáculos, desviar trajetos, elocubrar alternativas, imaginar conjecturas, acariciar a prole vindoura em projeções sentimentais.

De súbito, arranca finalmente em veloz aligeireza, e se projeta, corpo à frente - impulso fatal - à definitiva colisão: cai, em famélico desespero, sobre o saco de farinha de trigo, a imaginar celestiais banquetes, enquanto seus esmaltados molares estraçalham o frágil plástico, em dissonantes cortes.  


O tempo se desfaz, se é que existe, e a ratazana se farta, qual rebento desmamado, em alegria pueril de empoeirada satisfação. 

E.S.C., abril/14

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