Desencontro







O casal se encontrou para conversar, talvez, recomeçar a relação. Havia um clima de desconfiança e ressentimento, como tantos casais. Tudo tão estranho, no entanto. Encontro marcado pelo silêncio e as formalidades: fale-se de coisas passadas, presentes, talvez futuras; comente-se a briga dos ocupantes da mesa ao lado com o vendedor da rede de fastfood: havia muita pimenta no sanduíche.

Ao avançar da noite, o casal seguia calado em ensossa mudez. Não havia pimenta, em que pese o clima ácido. O primeiro, como que ainda desolado, embora disfarçasse, reparou que o outro comeu primeiro o sanduíche, depois as batatas. Normalmente, come primeiro as batatas, enquanto fala freneticamente e gesticula. Dessa vez, silêncio e formalidade. Outro detalhe: ele não tirou do bolso o celular um só minuto. Talvez por isso passou tanto tempo roendo as unhas, para ter o que fazer com as mãos. Um celular que se oculta talvez seja um detalhe relevante. As batatas, nem tanto.

Acabada a refeição, atravessaram a rua e deram de cara com a livraria que fechava suas portas. Assustados, sem saber o que fazer, titubearam, disfarçaram, entreolharam-se de canto de olho, caminharam. Entraram no cinema. O segundo foi ao banheiro, o outro conferia os filmes em cartaz. Novamente se encontraram na porta da única livraria aberta na região, comentou o primeiro. Vamos nela, é o jeito, disse o segundo. Nada das costumeiras piadas ou brincadeiras. Reinava em um o espanto diante da falta de culpa do outro; e no outro, a calma diante do companheiro.

Cada qual em seu canto, folhearam os livros, tiraram fotos às escondidas. O primeiro, embora ressentido, quase comprou cartões postais para a coleção do segundo, embora se esquivasse. Sem entender, aquilo lhe fazia doer a cabeça. Ele pensava, remoía, relevava. Sentimentos mil se esparramavam, embaralhando-se em sua cabeça. Por que tudo isso? O que sentia afinal? Pegou o telefone no bolso e avisou a amiga. No meio da livraria e eles calados. Em meio aos livros, faltavam-lhes palavras.

E o primeiro sentiu um forte desejo de abraçar o segundo, seu namorado, beijá-lo e se entregar àquela euforia que lhe brotava no peito. Não, não posso. E o meu orgulho? Mal tivera explicações... Não... Olhava o outro e a singeleza de sua face o comovia, no fundo. Que criança idiota que faz traquinagem! Tem como não perdoar uma criança? E chorava por dentro, enquanto continha, nos olhos, as lágrimas a ferro e fogo, que recuavam, embora o peito soluçasse.

Saíram, caminhando. O outro, calado, querendo se aproximar, mediu as palavras, soltou frases aleatórias, tinha cuidado. Silêncio e formalidade. Mas que diabos! Por que era tão bom a sua companhia, perguntou-se o primeiro. Por que não quero que você vá embora? Cadê ódio, ressentimento e rancor quando se percebe que o corpo do outro é presença rara, dessas que se deve cultivar? Fazia tempo que não sentia isso pelo companheiro...

Na estação de metrô, encostaram-se num canto. E finalmente o abraço, contra todo o orgulho vacilante, e um beijo. Beijaram-se e aproximaram seus corpos. Como era bom, como eu te amo, não quero que você vá, não quero que sofra, como te quero bem, pensavam... os dois? É, talvez seja importante desconfiar para quem sente mais de uma vez, embora oprima. Beijaram-se de olhos fechados, e o calor tomou conta dos seus rostos, não sentiam frio. E voltaram por um instante no tempo... como quando no começo da vida, onde tudo é satisfação. E ele, o primeiro, disse, rompendo o silêncio, e olhando nos olhos do segundo, aquilo que lhe custou para elaborar:

- Eu te amo, lembre-se disso. Todos os dias, todas as horas. Sozinho ou acompanhado – o outro tornou sério o semblante - Quando quiser falar, fale; quando quiser calar, cale.

O outro permaneceu sério. Talvez quisesse, desde o princípio, dizer-lhe algo também, contar tudo, abrir o jogo, pedir perdão... Mas nada disse. E recostou-se no pescoço do namorado, de olhos fechados. Pensava algo, até que a força da dor de cabeça do primeiro venceu o momento tão sublime. E eles se afastaram.

Desceram as escadas, entraram no metrô, mal se falavam, como dois iniciantes... Que raiva, que decepção, cadê sua confissão em prantos? Por que você tem que ir embora? Não, não quero que você vá, quero que fique, como eu te quero bem. Pra saber que você está comigo, só comigo, seguro do meu lado. O que fará, quando, novamente, sozinho?

Tchau, até mais. Nos falamos.

Um beijo, um aperto, um parto e uma rufada de prazer no peito.

E de repente você ficou para trás, descia na estação seguinte, apenas, enquanto eu, adiante, vacilei, num furacão de palavras que me assaltava a mente, me tomava por dentro, recompondo discursos mil não proferidos. Tanta coisa pra dizer, e nosso encontro, ao final, foi um rotundo e altissonante silêncio... 


E.S.C., setembro/13

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