5 de dezembro de 1974.
O taxi estaciona na
frente da padaria, em meio à chuva, e o jovem recém-chegado à São Paulo desce
do carro. Titubeia, reticente, se retrai. Sem guarda-chuva, entre miradas
desnorteadas ao taxista, mal sabe como pedir ajuda. Não reconhece o lugar, além
de vagas referências. Pressentindo o desconcerto do rapaz, o motorista, gentil,
sugere que entre na padaria e lá peça mais informações. Mala na mão, o jovem atravessa
a rua enlameada e entra no estabelecimento, não sem antes molhar a cuca com um
forte pingo d´água que caía do telhado, em dissonante boas-vindas.
No barrento tapete
limpa os pés, embora reparando nãos ser útil. Em frente à porta lateral, uma
multidão de aglomera num terreno plano, onde se apresenta, sobre um pequeno
palco ao fundo, Reginaldo Rossi.
O jovem, que deixara a
Bahia havia três dias e viera de ônibus até São Miguel Paulista, perdido ainda,
aborda um dos homens que, diante do balcão, degusta uma quente e saborosíssima
dose de cachaça. Fazia calor, mas a chuva recém acabada esfriara os ânimos e
tornara convidativa a possibilidade da bebida. Quem conhece o Zé, marido da
Dona Josefa, porteiro de escola? E quem não haveria de conhecer, naquela solidária
comunidade dos degustadores de destilados! Não só ele como o dono da padaria, o
gerente, o vendedor, e a senhora na fila do pão. Zé era figura cativa do
bairro. E dos bares, padarias, botecos, qualquer lugar onde não faltasse uma
boa dose da concentrada.
Você está a dois
quarteirões da casa dele. Se achegue mais a porta que lhe mostro, disse
amigável o homem barbado que segurava sem desprender-se seu copo de cachaça. No
sotaque nordestino, o jovem recém-chegado se identifica prontamente, e começa a
tornar seu aquele pedaço de terra desconhecido nos rincões periféricos da São
Paulo dos anos 70.
Temeroso, porém, o moço
deixa transparecer, novamente, seu desconcerto, sua falta de habilidade em
gravar informações em momentos de tensão. Tantos haviam ao redor da padaria,
aglomerados para o show do rei do brega, que temeu caminhar só e ter suas
coisas roubadas. Percebeu que havia guardas ao redor, mas quem iria confiar só na
polícia? Aquele fim de tarde chuvoso e enlameado na terra da garoa lhe inspirava
cautela. O homem, então, gentilmente, pousa seu copo ainda cheio de uma fina
linha da canabrava no balcão e se oferece para acompanhar o jovem Euclides, meu
pai.
Comentários
Postar um comentário